A implosão do euro seria fatal para Portugal mas também para a Alemanha, insignificante ao pé de potências como a China, Brasil ou Índia. António Pires de Lima que, além de político, é presidente da Unicer, diz que se este governo não tiver sucesso económico não há discurso que lhe valha. E os dois partidos serão penalizados. Pelo sim, pelo não, o CDS aprendeu a salvaguardar-se e mantém um discurso mais autónomo.
Se tivesse de fazer equipa na Unicer com o governo actual, quem é que colocava em que função?
Eu gosto muito dos ministros que temos, acho que temos um bom governo, mas não colocava nenhum na Unicer. A equipa executiva que cá está é inigualável, não há nenhum ministro que pudesse fazer melhor… Se calhar também poucos de nós, na Unicer, teríamos vocação para estar no governo. Mas tenho muito respeito pelo trabalho que está a ser feito pelo primeiro-ministro, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros e pelo ministro das Finanças. Acho que estão a formar uma troika – um triunvirato, neste caso, para sermos mais lusitanos – que está a dar uma nota completamente diferente da imagem de Portugal lá fora.
As agências de rating continuam a baixar as notações da República…
A esse propósito é preciso dizer duas coisas. Em primeiro lugar, que as agências de rating e os mercados estão a fazer o downgrading de toda a Europa, não só de Portugal. É a credibilidade da Europa enquanto projecto de crescimento económico que está neste momento a ser posta em causa e a ser avaliada de forma negativa.
E a segunda coisa, qual é?
De facto, temos um problema económico muito sério em Portugal e alguns dos downgradings têm a ver com as perspectivas serem agora ainda piores do que há seis meses, porque muitas das medidas adoptadas pelo governo para atingir as metas do défice – e nesse sentido eu estou muito preocupado –, são altamente recessivas. Estamos no fio da navalha.
O governo não está a saber gerir isso?
Este governo, que tem pessoas lúcidas, tem de ter um bocadinho mais de sensibilidade económica do que tem demonstrado até agora. Porque se não
cuidarmos da economia, se não a protegermos minimamente, todo este esforço de consolidação orçamental e de sacrifícios que estão a ser pedidos aos portugueses vai ser em vão.
Este ministro da Economia não tem essa sensibilidade?
Não tenho nada contra este ministro, que tem uma obra publicada em que faz um bom diagnóstico… Teve alguns meses iniciais de apagamento, provavelmente de adaptação e também porque veio de um universo externo completamente diferente. Deu alguns sinais muito importantes na discussão deste Orçamento do Estado – independentemente de uma ou outra incidência discursiva –, nomeadamente quando se olha para a essência daquilo que diz ao nível das leis laborais, da maior concorrência e da criação de estímulos em termos de produtividade, como foi a meia hora adicional de trabalho proposta para o sector privado.
Está a mudar?
Tenho sentido, nos últimos meses – se calhar, também devido a muitos alertas e pressões até dos próprios partidos da maioria –, um ministro da Economia mais actuante, mais veemente. Mas é importante que tenha também peso dentro do governo, para que esta sensibilidade empresarial ganhe dimensão e funcione até como contrapeso ao discurso muito draconiano, muito rigoroso – e que é importante – do ministro das Finanças.
O que gostaria de ver mudar na actuação do governo em 2012?
Gostaria que, durante o ano de 2012, o discurso e a prática económica – e isto não tem só a ver com o ministro da Economia – tivessem uma maior
ascendência, uma maior valorização. Sem economia, nós não vamos lá, e é bom que o governo perceba isto; pode ser um excelente aluno das instituições europeias, pode cumprir todas as metas, mas se não for capaz de compatibilizar o cumprimento destes objectivos com uma agenda de crescimento económico, este governo vai ser a primeira vítima dessa incapacidade.
Um dos seus ministros de eleição, Paulo Portas, ficou com a diplomacia económica. Agora está mais desaparecido… Ele aparece sempre, se não em Portugal, em algum sítio no estrangeiro. Seja no Cairo ou em Nova Iorque… O que pergunto é se temos, de facto, uma diplomacia económica a
funcionar?
A diplomacia económica passa por as nossas redes de diplomacia terem como ponto prioritário da sua agenda política o desenvolvimento das empresas e das marcas portuguesas fora de Portugal. E essa é uma preocupação relativamente nova. Se há dez anos falasse com diplomatas sobre isto, a maioria achava até, eventualmente, que promover negócios era uma coisa pouco nobre, pouco digna para o trabalho de um diplomata. O ministro dos Negócios Estrangeiros tem especial propensão, vocação e talento para trabalhar esta agenda. Fico contente por finalmente ter existido a clarificação necessária dentro do governo para que isto possa funcionar. O dr. Paulo Portas, com toda esta dispersão geográfica de que tem dado nota, está a dar o exemplo de onde deve estar a nossa prioridade. É mais importante que, viajando em executiva ou em económica, ande um pouco por todo o mundo desenvolvendo e activando esta rede de diplomacia económica.
Já consegue ver resultados?
Os sinais que tenho das visitas que já fez a alguns mercados, nomeadamente a Angola, são positivos. O dr. Paulo Portas é um magnífico negociador, sei-o por experiência própria, conheço-o desde miúdo, e se meter na cabeça – e acho que meteu – que esta é a sua principal função patriótica neste momento e se lhe derem os meios, pode conseguir coisas importantes para as empresas portuguesas. Confio muito na capacidade política deste governo para, por exemplo, ajudar a desbloquear o nosso investimento em Angola e para ajudar à existência de uma agenda mais produtiva das exportações em mercados complicados como a Venezuela e Brasil, que têm uma cultura muito proteccionista.
Tem mais esperança neste governo que no Sporting…
Tenho esperança nos dois. Esta nova geração de políticos, que está agora no poder, é feita de pessoas que já cresceram em liberdade e que representam um contraste com os políticos que até agora nos governaram e que, em boa parte, tinham crescido ou se tinham formado no tempo da ditadura. É mesmo a única geração, a quem eu acrescentaria o dr. António José Seguro, enquanto líder da oposição – porque me parece que, além de ser também desta geração, tem um comportamento, uma cultura muito construtiva –, que acredito que pode fazer face aos desafios com que Portugal está confrontado.
E a geração anterior, não?
A geração anterior era perita a fazer diagnósticos, mas tinha uma grande dificuldade em executar, em concretizar medidas que pusessem em causa ou que questionassem o Estado social. Para reactivar a economia, a prazo, precisamos de cortar na despesa pública. Pela primeira vez em muitos anos, Portugal vai terminar 2011 com uma despesa pública inferior àquela que tinha em 2010. E esta tendência vai aprofundar-se em 2012.
Esta geração está mais descomprometida?
Já percebemos, pelo discurso dos ex-Presidentes da República – às vezes até pelo do actual Presidente da República – e dos ex-primeiros-ministros que, felizmente, têm tido o bom senso de se manter silenciosos, que reduzir a despesa pública implica dilemas pessoais muito profundos para as pessoas que construíram Portugal depois do 25 de Abril, que é um Portugal cheio de qualidades, cheio de direitos, mas também, do ponto de vista económico e do Estado social, não sustentável. E, neste sentido, é muito importante darmos espaço, tempo e poder a esta geração que, por mérito próprio e por voto do povo, tem neste momento a responsabilidade de governar – ou de fazer oposição, no caso do dr. António José Seguro.
Esta geração de políticos vai conseguir estar o tempo suficiente para fazer a mudança?
A geração de políticos que nos governou até agora tem de respeitar, dar tempo e espaço – o espaço e o tempo que eles próprios tiveram para trazer Portugal até ao ponto em que estamos –, a esta geração. E nota-se uma ansiedade de intromissão, por parte daqueles que até aqui estiveram em funções de responsabilidade, que às vezes me parece contraditória. Portugal é o que é e está na situação em que está também pelos presidentes da República que temos tido, sobretudo pelos primeiros-ministros que temos tido.
Até há bem pouco tempo o CDS-PP, tal como o PSD, estava na oposição. Competia-lhe ter um papel mais activo?
Acho que tem, em parte, razão. Creio que a oposição, ao longo dos últimos anos, várias vezes deu nota do seu desconforto relativamente ao trajecto que financeiramente Portugal estava a seguir. Basta ver o papel que, há dois anos, a dra. Manuela Ferreira Leite teve na denúncia do caminho que estávamos a seguir e a forma como foi batida nas eleições. Quer dizer, os portugueses não quiseram ouvir. Penso que agora estão a demonstrar uma enorme capacidade cívica de interiorização da crise, que é muito importante para que a vençamos, mas também é verdade que durante anos os portugueses preferiram, sistematicamente, continuar a viver na ilusão e a acreditar em alguém que não lhes contava toda a verdade, e isso foi demonstrado pelo voto. A austeridade teve de ser imposta por fora… Mas penso que tem razão numa coisa, há uma cultura de confronto político,
governo-oposição, que tem sido muito pouco positiva, muito pouco construtiva de soluções para Portugal. Isso está agora a mudar um pouco, com esta geração de políticos. É muito positivo perceber que, apesar das diferenças, o dr. Passos Coelho e o dr. António José Seguro têm uma boa relação pessoal e são capazes de construir pontes, mesmo em momentos delicados como este da aprovação do Orçamento do Estado. Era muito chocante para mim, e para nós que trabalhamos no universo empresarial, onde é fundamental construir pontes, a cultura política de desqualificações pessoais, de insultos até, em que vivemos até há seis meses, no governo ou na oposição. A cultura do maniqueísmo político em que vivemos praticamente desde a revolução, é muito pouco propícia à construção e apresentação de soluções. Eu diria mesmo que este é o maior sinal de esperança – porque a esperança não vem, neste momento, dos sinais da economia que temos em Portugal.