Quarta-feira, 30.11.11
Um programa de rádio italiano falando sobre a revolução em andamento na Islândia é um exemplo impressionante do pouco que os meios de comunicaçãonos dizem sobre o resto do mundo. Os norte-americanos podem lembrar-se de que no início da crise financeira de 2008, a Islândia declarou-se literalmente em falência. As razões são citadas apenas superficialmente, e desde então, esse país pouco conhecido da Europa voltou a cair no esquecimento. Como os países europeus vão caindo um após o outro, colocando o euro em perigo, com repercussões para todo o mundo, a última coisa que os poderes desejam é que o caso da Islândia se transforme num exemplo. A seguir, eis porquê:
Cinco anos de um regime puramente neoliberal fizeram da Islândia (populaçãode 320 mil pessoas, sem exército), um dos países mais ricos do mundo. No anode 2003, todos os bancos do país foram privatizados e, num esforço para atrair investidores estrangeiros, oferecer  um empréstimos em linha, cujos custos mínimos lhes permitiram oferecer taxas relativamente altas de rendimentos. As contas, chamadas de “icesave”, atraíram muitos pequenos investidores ingleses e holandeses; mas, à medida que os investimentos cresceram, isso também aconteceu com a dívida dos bancos estrangeiros. Em 2003, a dívida da Islândia era igual a 200 vezes o seu PIB, mas em 2007 ela chegou a 900 vezes. A crise financeira mundial de 2008 foi o golpe de graça. Os três principais bancos islandeses, Landbanki, Kapthing e Glitnir, quebraram e foram nacionalizados, enquanto que a coroa islandesa perdeu 85% do seu valor em relação ao euro. No final do ano, a Islândia declarou-se falida.
Contrariamente ao que se poderia esperar, a crise deu lugar à recuperação dos direitos soberanos dos islandeses, através de um processo de democracia direta participativa, que finalmente conduziu a uma nova Constituição, mas depois de muita dor.
Geir Haarde, o Primeiro-Ministro de um governo de coligação social democrata, negociou 2,1 bilhões de dólares em empréstimos, aos quais os países nórdicos acrescentaram outros 2,5 bilhões. Contudo, a comunidade financeira estrangeira pressionava a Islândia para impor medidas drásticas. O FMI e a União Europeia queriam assumir o controle a sua dívida, alegando que era o único caminho para que o país pagasse seus débitos com a Holanda e a
Inglaterra, que tinham prometido reembolsar seus cidadãos.
Os protestos e os distúrbios continuaram e, finalmente, obrigaram o governo a renunciar. A eleições foram antecipadas para abril de 2009, resultando na vitória de uma coligação de esquerda que condenava o sistema económico neoliberal, mas que de imediato cedeu às demandas de que a Islândia deveria pagar de 3,5 bilhões de euros. Isso requereria que cada cidadão islandês pague 100 euros por mês (perto de 130 dólares) durante 15 anos, com 5.5% de juros, para pagar uma dívida contraída pelo setor privado. Foi a gota dágua.
O que aconteceu depois foi extraordinário. A crença de que os cidadãos tinham que pagar pelos erros de um monopólio financeiro e que a toda uma nação deveria impor-se o pagamento de dividas privadas se desmanchou, transformou-se a relação entre os cidadãos e suas instituições políticas e
finalmente conduziu os líderes da Islândia para o lado de seus eleitores. O chefe de estado, Olafur Ragnar Grimsson, negou-se a ratificar a lei que
fazia os cidadãos islandeses responsáveis pela sua dívida bancária, e chamou-os para um referendo.
Obviamente, a comunidade internacional só aumentou a pressão sobre a Islândia. A Grã-Bretanha e a Holanda ameaçaram com represálias terríveis e
isolar o país. Como os islandeses foram votar, os banqueiros estrangeiros ameaçaram bloquear qualquer ajuda do FMI. O governo britânico ameaçou
congelar as poupanças e as contas correntes islandesas. Como disse Grimsson, “nos disseram que se nos negássemos a aceitar as condições da comunidade internacional, nos transformariam na Cuba do Norte. Mas, se tivéssemos aceitado, nos teriam convertido no Haiti do Norte”. Os cubanos ao verem o estado lamentável do seu vizinho Haiti, podem considerar-se afortunados?
No referendo de março de 2010, 93% votou contra a devolução da dívida. O FMI imediatamente congelou seus empréstimos, mas a revolução (ainda que não tenha sido televisionada nos EUA) não se deixou intimidar. Com o apoio de uma cidadania furiosa, o governo iniciou investigações cíveis e criminais em relação aos responsáveis pela crise financeira. A Interpol emitiu uma ordem internacional de detenção para o ex-presidente de Kaupthing, Sigurdur Einarsson, assim como também para outros banqueiros implicados que fugiram do país.
Mas os islandeses não pararam aí: Decidiu-se redigir uma nova constituição que liberte o país do poder exagerado das finanças internacionais e do
dinheiro virtual (a que estava em vigor tinha sido escrita no momento em que a Islândia se tornou independente da Dinamarca, em 1918, e a única diferença com a constituição dinamarquesa era que a palavra presidente tinha sido substituída pela de “rei”.
Para escrever a nova constituição, o povo da Islândia elegeu vinte e cinco cidadãos entre 522 adultos que não pertenciam a nenhum partido político, masrecomendados por pelo menos trinta cidadãos. Esse documento não foi obra de um punhado de políticos, mas foi escrito na Internet. As reuniões dos constituintes foram transmitidas online, e os cidadãos podiam enviar seus comentários e sugestões vendo o documento, que ia tomando forma. A
Constituição que eventualmente surgirá desse processo democrático participativo será apresentada ao Parlamento para sua aprovação depois das
próximas eleições.
Alguns leitores lembrarão do colapso agrário da Islândia no século IX, que é citado no livro de Jared Diamond, com esse mesmo nome. Hoje em dia, esse país está se recuperando de seu colapso financeiro de formas em tudo contrárias às que eram consideradas inevitáveis, como já confirmou diretora do FMI, Chistine Lagarde, a Fared Zakrie. Ao povo da Grécia disseram que a privatização de seu setor público é a única solução. Os da
Itália, Espanha e nós Portugal enfrentamos a mesma ameaça.
Deveria olhar-se para a Islândia. Ao negar a submeter-se aos interesses estrangeiros, esse país indicou claramente que o povo é soberano.
É por isso que ele não aparece nos noticiários.
 


publicado por Po(d/b)re da Sociedade às 08:41 | link do post | comentar | ver comentários (1) | partilhar | favorito

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